Rio de Janeiro
(1 de Março de 1565/450º aniversário da fundação da
cidade)
A baía da Guanabara («água penetrante»
na língua tupi) alimentou durante muitos anos a ilusão de que ali
desaguava um rio. Isso o escreveu o primeiro governador do Brasil, Tomé de
Sousa, em carta enviada a D. João III (1 de Junho de 1553): «[…] que
pinte quem quiser como deseje um Rio, isso tem este de Janeiro».
A baía permaneceu durante anos
desabitada de europeus. Os índios ribeirinhos que ali viviam pertenciam à
grande família dos tupi-guaranis, e eram considerados dóceis em comparação com
outros mais arredios. Frequentavam a baía de Guanabara navios portugueses, mas
disputavam-na de forma mais ou menos pirata navios espanhóis e franceses. A
região era de grande exotismo vegetal, extremamente fértil e muito cativante ao
olhar.
Os portugueses inquietavam-se muito com
a presença das outras potências na região, sobretudo com a estadia dos
franceses, que chegaram a construir uma fortaleza, apoiados pelos aguerridos
índios tamoios, inimigos dos portugueses e das outras tribos que por
ali tinham o seu habitat.
O Pe. Manuel da Nóbrega insistiu então
pelo estabelecimento definitivo e permanente dos portugueses na formosa baía.
Finalmente, o governador Mem de Sá, em 1559, recebeu ordem de Lisboa para
expulsar os franceses em definitivo. Assim se fez. Em 1563, partiu para a baía
da Guanabara uma expedição comandada pelo jovem sobrinho do governador, de nome
Estácio de Sá, com o auxílio da Baía, do Espírito Santo, sobretudo de São
Vicente, onde os padres da Companhia de Jesus lhe dispensaram especial apoio.
Beneficiando da evangelização dos padres Nóbrega e Anchieta, que ensinaram aos
índios a concórdia, desembarcaram os portugueses, ajudados pelos índios amigos,
a 1
de Março de 1565 (há precisamente 450 anos!) à sombra do morro «Cara de
Cão» e, assim, foi fundada a cidade do Rio de Janeiro,
Todavia, os índios tamoios, manipulados
pelos franceses (que não se conformaram com a perda da sua fortaleza)
incomodavam quanto podiam a empresa portuguesa. Apesar das dificuldades, Estácio
de Sá fundou a cidade segundo as normas oficiais da época. Não foi,
pois, uma povoação que nasceu de algumas casas ou cabanas: - O Rio
de Janeiro não foi aldeia, depois vila e, finalmente, cidade. Estácio
de Sá ergueu, embora de forma rudimentar, toda a máquina administrativa.
O que se diz das cidades capitais que
deram origem a nações, aplica-se de forma excepcional ao Rio de Janeiro, pelo
seu desempenho como centro aglutinador, dando ao Brasil a coesão elástica, o
vigor inquebrantável, a exótica e musical personalidade.
Sem o Rio velho dos Sás, pelo menos de
1565, integrado depois no conjunto que é a América de raiz cultural portuguesa,
não teríamos talvez o Brasil, único e inteiro. A fundação do Rio de Janeiro é
de facto uma epopeia… à medida de Luís de Camões!
E sobre tudo isto o Corcovado, com o seu
monumental Cristo Redentor, coroando a cidade que, a seus pés, desenha o
mais inesperado, multiforme e discordante espectáculo da vida humana!
Nas comemorações do 4º centenário (1965)
da cidade, escreveu Vitorino Nemésio, na sua Ode Ao Rio/ ABC do Rio de Janeiro,
estas tão sentidas composições:
«[…]
Rio velho sangue tem
Na folha da amendoeira:
Muita gente lhe quis bem
Mas nunca desta maneira.».
Cabe no Rio o Brasil todo. Cabe no Rio
de Janeiro a história da mais penosa e edificante emigração portuguesa! Ali
sambaram portugueses e libaneses, italianos e espanhóis, que todos lá
trabucaram, todos lá foram sendo o Brasil.
Um dia despedi-me do Rio de Janeiro como
se de Portugal partisse, e o estranho sentimento não se obrigou a palavras, mas
a sons e musicalmente, dedilhando violão de marca.
Grandíloqua é a história do Rio de
Janeiro, académica nunca, por graça de Deus e amor de muitos poetas!
Lembro outra vez Vitorino Nemésio:
«Rio tem Largo do Machado,
Boate chique, brotinho bom,
Com mão de santo no Encantado,
Açougue à porta, filé minho,.
Rio tem povo na besteira,
Tem grã-finagem no piquini,
E o bem-querer na geladeira,
Mas vira fogo sendo pra ti.».
Esta famosa sala de honra do Brasil que
é o Rio, vai ser obstruída com uma peça “artística” símbolo da imbecilidade
lusitana, produzida por artista plástico (Joana Vasconcelos) representativa da vacuidade
actual: - Um galo de Barcelos (Pop Galo) de sete metros de altura,
programado para desembarcar na Praia do Leme a 10 de Junho!
Apesar da manifestação cultural sumária,
pobre e mal pregada ao 10 de Junho, desculpa lá Rio de
Janeiro este “brasão” formidável que nos querem pintalgar para a posteridade! Desculpa
lá, ó Rio de Janeiro, faz-nos o favor de ver nisso apenas largo roda pé de azulejo,
nada mais e, logo que possas, livra-te do hirto galo, sinergia de uma raça de
gente coarctada, que não te merece um carinho!
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