segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Toada do Conde de Montanelas

Toada do Conde de Montanelas
(ideário de um marialva quinhentista)

©Joaquim Palminha Silva

Lá se foi o de Montanelas
sozinho a enterrar
sem padre com balelas
p’ra sua alma sossegar.

Lá se foi o incontido
de que há muito a contar
pois perdeu o sentido
de quando devia parar.

Lá se foi o de Montanelas
grão-cavaleiro apeado…
e as mulheres às janelas
já gabam o finado.

Filho varão só lhe deixaram
um nome ramalhudo…
Mas se nada lhe legaram
herdou arte de topa-a-tudo.

Herdeiro natural d’esta arte
síntese da nossa História
espadeirou por toda a parte
deixando vasta memória.

Soprou em soturnas freiras
fogo posto que ateava
enlaçou rolinhas mouras
cujo corpo se acomodava.

Na África quente e comprida
após turva heroicidade
desaparecia em seguida
a saciar-se na imensidade.

Descobridor buscando sôfrego
leitos para descortinar
nunca lhe faltou o fôlego
nem conjugou o verbo amar.

Insolente máscara carnal
dono de segunda natureza…
Como a palavra anormal
nenhuma sei mais portuguesa.

Olhos d’águia nas ameias
sobre a terra e sobre o mar
escamou quantas sereias
que já não podia prostrar…

D. Juan quedo e mudo
o da aventura empedernida
figura um fofo quase tudo
sem lhe alcançar a medida.

Do langor das sestas necessárias
lá nos climas orientais
despertava o Montanelas
para outras tantas saturnais.

Lá vai o conde de Montanelas
que esteve no cerco de Diu
combateu e cortou as goelas
às orientais que possuiu.

Dizem que guardou a lusa vinha
grande vindimador original
por isso a História definha
carente da poda especial.

Mudou no fim sua cadência
o mestre fecundo sem rival
uma vez perdida a essência
só lhe ficou o cerimonial.

La vai o conde de Montanelas
num choro soluçado fundo
levantando com mãos geladas
testículos de comover mundo.

Transporta-os assim seguros
sobre carrinho-de-mão
pois de moles e maduros
esborrachavam-se no chão.

Lá vai a carantonha
olhai com olhos de ver
um velhinho com peçonha
e de pernas a tremer.

Dizem com pena que foi poeta
mas com a sífilis a roer
nunca se soube se foi peta
se foi o Diabo a escrever.

Quem no século dos tolos
viu a dimensão do barroco
logo a vista viu a todos
na figura deste bacoco.

Não era esquisito Montanelas
sempre erecto p’ra tudo
desde as mulatas mais belas
a meninos de coro sobretudo.

Dotado desta filantropia
cego aos efeito do vício
o cavaleiro não percebia
ao que o sexo é propício.

(Nunca alto afirmem o facto
pois nesta terra de colossos
é preciso muito tacto
não vos partam os ossos.)

Lá se foi o de Montanelas
que tinha muito que contar
e já andava pelas vielas
sem se puder aguentar…

A ver o enterro passar
e sem nada para fazer
já se começa a perguntar
quem lhe irá suceder…

…E à pátria lusitana
com séculos de fastio
extinta a sua chama
acabou-se-lhe o pio.

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