segunda-feira, 19 de novembro de 2012

REGRESSO ...

Regresso
©Joaquim Palminha Silva

Ao fim de uma ausência de décadas, porque voltamos à terra onde nascemos? Que procuramos, após tantos anos?

A verdade é que só voltamos porque queremos encontrar algo que deixamos para trás. Algo por resolver (?). Desejamos alcançar o que não conseguimos em crianças ou jovens… Voltamos também para ajustar contas com o passado. Julgamos que podemos pedir satisfações ao passado. Mas o passado está tão atrás que não quer saber das nossas exigências e, por conseguinte, continua a afastar-se, a afastar-se…

Porém, a verdade é que voltar à terra é voltar ao passado. E voltar ao passado que não vivemos aqui, a um tempo que não conhecemos, só nos pode proporcionar o encontro com a recordação dos mortos, a revisitação dos espectros, a visão de sombras, avistar gente moída de dor, de frustrações, de invejas, de desamores alinhados na apatia diária. A visão de gente exclusivista que se julga importante, mas que sofre às escondidas não ter saído da terra. Gente que odeia que lhe lembrem que não foi capaz de ousar partir!... E cada um ou uma que retorna à terra, queira ou não, vem alimentar este pequenino ódio artesanal, inofensivo…

Regressar é voltar atrás, mas é preciso têmpera forte para isso, porque os que ficaram não admiram os que regressam, após terem corrido mundo, seja lá o que for esse mundo!

Voltar à terra requer ter coragem de assistir à abertura de feridas entretanto cicatrizadas… Voltar atrás pode ser rasgar veias, descer, algumas vezes, ao Inferno da velha calúnia, do azedume enferrujado que se espreguiça de novo, despertar o despeito que nunca soubemos ver no velho colega de escola, de Liceu, de trabalho. Retornar pode ser uma moenga!

Regressar, é ter a coragem silenciosa de ver a Marianita (não importa o nome) atravessar a rua com o neto pela mão, denunciando os anos através do corpo pesado e, por momentos, quase a reconhecer-nos, desviar o olhar arrependida da curiosidade… - «Foste casar longe, não é verdade!? Disseram-me que a tua mulher é estrangeira… Afinal, vives só!? Não casaste… As pessoas inventam cada coisa!» … E, por momentos, a nossa solidão alegra Marianita… Vá lá saber-se que pequena vingança ela acabou de cumprir!

Regressar é, também, encontrar parte importante do significado da nossa existência, fechando assim o círculo da vida! Nesta ordem de ideias, regressar é beijar a terra onde repousam os nossos antepassados, conhecidos ou desconhecidos. Regressar pode ser terminar onde tudo começou. É dizer a Deus: «Toma-me quando entenderes, estou aqui! Regressei. Estou pronto para a última viagem!».

Regressar, voltar atrás, é tão arriscado que muitos não o fazem e, dizem, houve mesmo quem tenha enlouquecido ao fazê-lo! Seja como for, queremos sempre regressar à terra natal, como gostaríamos, mesmo por breves instantes, repousar no regaço materno… Há em nós um menino, sempre mimado, mesmo com rugas e doenças que escavam a saúde, mas menino que soluça, de memória em memória…

Regressar é voltar ao passado… Mas a um passado velhinho, senil, muitas vezes caquético… Mas também é voltar ao verdadeiro amor, ao primeiro, ao que foi ingénuo e desinteressado! É voltar a sofrer com outra dor, com outra impossibilidade… Desta vez repletos da paciência que a idade ensina. Regressar é enfrentar a solidão face aos ausentes, e sentir a sua infiltração na alma e no corpo, como o salitre nas paredes das casas da cidade… Voltar é assistir à degradação da cidade, ver as feridas que lhe provocaram, e nada poder fazer para travar a sua progressão.

Voltar à terra, é voltar a pensar em todos os caminhos andados e recusados. Regressar é perdoar e pedir perdão, mais do que uma vez, às mesmas pessoas mas com a memória das faltas quase desfeita, cheia de falhas.

Não. Não há nenhuma certeza no regresso. Pensamos… Todavia, nada se realiza para lá do que imaginamos. Regressar é correr o risco de entrar numa aventura sem retorno!

Regressar à terra natal, é reencontrar a única namorada, a verdadeira paixão!

Num instante: - Estamos mortos! Ninguém se preocupa mais connosco, nem nós mesmo somos um corpo e uma alma com preocupações. E no entanto, viver sem amor, viver sem a sua recordação, viver sem regressar à terra, à única namorada, é tão agreste, tão sem sentido como o deserto… Não, pior! O deserto tem sentido…

Regressar é empurrar o esquecimento para fora do nosso ser!

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