Pelas noites d’Évora
os
Vagabundos do Ritmo
Foi há cinquenta anos… Mas o diálogo
aconteceu outro dia…
- «Não, não credito que existisse na
sua cidade um “conjunto musical” com atrevimento suficiente para tocar o rock
and rol! Esvis Presley, Little Richard,
The Shadows, Gene Vincent? Não, meu amigo, isso era impossível! Você sempre
conta cada história…».
- «[…].».
Já não recordo qual a resposta que dei
ao incrédulo. Mas fiquei agastado… Fiquei mesmo muito agastado! Por isso
escrevi este texto que é, além da memória juvenil de uma geração de eborenses,
uma rendida homenagem ao «conjunto musical», como eles
próprios se intitulavam, «Vagabundos do Ritmo»!
Há sessenta ou cinquenta anos, a
música ligeira que se ouvia nesta cidade era transmitida pela «Emissora
Nacional» (EN) ou «Rádio Clube Português» (RCP). Por um lado, ouvia-se quase
exclusivamente as canções dos «Serões para Trabalhadores», na EN em directo (organizados
pela FNAT*) ou, em selecção pouco mais alargada, a música ligeira selecionada no
RCP. Assim afirmava o meu interlocutor… Não insisti na demonstração da
informação errada que exibia. – Está visto, não conheceu os «Vagabundos
do Ritmo»! …
Lembro-me muito bem deles, há 50
atrás, nas tardes e noites de sábado (matinée e soirée). Com eles, os
jovens da granítica cidade conheceram o ritmo e o som alegre da música do seu
tempo, estafado de hinos “nacionalistas” e fardas, fatos e gravatas… Os «Vagabundos
do Ritmo», cheios de espírito de iniciativa e engenhosos recursos,
devem ter salvo do desespero mais de uma vez os jovens contaminados pelo tédio
branco e desbotado da urbe, de gentes de cerviz dobrada e marrafa ao lado,
aborregada no redil do “parece bem/parece mal”. Salvaram do tédio os que não
tinham recursos para adquirir um gira-discos nem um 45 rotações…
Salvaram do tédio, da modorra
provinciana, dizia, entre dois concertos… Perdão, quero dizer entre dois bailes
(nesse tempo não havia concertos com “bandas” do género), se bem me lembro a
tocar Just Walking in The Rain (Johnnie Ray), Only You (The Platters), Blue
Suede Shoes (Elvis Presley), Wen a Man Lovers a Woman (Percy
Stedge), Stand By Me (Bem E. King), e num registo mais latino e
romântico, Por un Flirt (M. Delpech/Vincent), Capri C’est Fini, Intarella
di Luna (Domenico Modugno) às vezes a fechar a soirée, Il
Silenzo, tocado com a mestria possível no luzidio trompete de Luís
Monginho…
Devo ser mais exacto… Para além dos
pares de dançarinos, dos praticantes do “namoro-dançante” (tangos, valsas,
rumbas, swing’s, etc.), havia então um grupo de jovens, amigos ou simples
admiradores da música interpretada pelos «Vagabundos do Ritmo». que seguia o
«conjunto musical» até aos locais onde havia baile sábado à noite (Juventude,
Sociedade
Joaquim António de Aguiar, Harmonia, etc.), com o único
objectivo de ouvirem as composições executadas pelo «conjunto musical» e,
assim, sem talvez se aperceberem, esses jovens “montavam” um verdadeiro
concerto de música dos anos 60, à revelia das direcções das “sociedades
recreativas” (em geral quarentões conservadores e boçais)!
Grupo de jovens que ignorava a presença
positiva da sala de baile. Grupo que ignorava os pares grudados, de olhos
semi-cerrados, aborregados a pobre êxtase…
Grupo de jovens que ali se conservavam apenas
para ouvir, a um canto da sala, a música produzida por Luís Manuel Monginho,
António Carlos Monginho, António Rosa Correia, Adílio Tirapicos e Francisco
Bolas… «Os Vagabundos do Ritmo» !
Tempos “heroicos”, em que o «conjunto musical»
levava por um baile 1.400$00 escudos, por dois bailes (sexta e sábado) 2.500$00,
correndo as despesas de deslocação por conta destes rockers de fim-de-semana.
Os «Vagabundos
do Ritmo», com excepção de Adílio Tirapicos (“mestre” barbeiro) foram
todos alunos da Escola Industrial e Comercial «Gabriel Pereira», portanto,
músicos amadores que, como muitos outros jovens empregados, só com a
persistência típica do verdadeiro self made man, utilizando as horas
de lazer após o trabalho, para ensaiarem e, assim, adquirir a mestria que a
todos nós extasiava… Além da música, por isto também muito nos identificavam os
«Vagabundos
do Ritmo»!
De alguma forma a eles se fica a dever,
numa cidade traumatizada pelo conservadorismo ambiente e por uma ruralidade
latifundiária opressora, a difícil renovação das mentalidades jovens e sua
adaptação ao mundo urbano, alegre e cheio de esperança, ao som do rock
and rol!
Ah!, meus amigos destroçados pela vida
ou para sempre adormecidos no grande silêncio, quem nos dera numa dessas noites
de sábado, a ouvir as vossas interpretações do Paul Anka ou dos Chats
Sauvages… Escutar, sobre o ardor exaltado da pista de dança (que não
nos interessava muito) o vosso ingénuo e improvisado “concerto”… Et
Maintenant… Nel Blu Di Pinto Di Blu!...
Quem nos dera uma gloriosa soirée
com os «Vagabundos do Ritmo», para uma derradeira vez vibrarmos com o Let’s
twist again!
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*FNAT:
organismo corporativo do “Estado Novo” decalcado da panóplia organizativa do
fascismo italiano, na versão lusitana intitulado «Fundação Nacional para a
Alegria no Trabalho».
4 comentários:
Belos tempos e grandes noites
Obrigado Dr. Palminha, pelo excelente texto descrito sobre o Conjunto Musical "Vagabundos do Ritmo". Sempre que possível, frequentei os bailes que eles abrilhantavam, mais pelo prazer de ouvir as suas músicas. A nossa geração, deveria prestar-lhe uma justa homenagem, sabendo que contribuirão imenso, para que os jovens Eborenses, saíssem do "marasmo" em que conviviam, naquela época.
Bernardino Barnabé
Mas há mais um conjunto desse tempo o APOLO 4, que eram na altura do ano 68/69 todos alunos da ESCOLA.
Prof. José Seabra mais conhecido pelo BOGA
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