terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

(meditação para a Páscoa)


A nobreza dos espinhos


            Do conjunto dos adágios populares que ocasionalmente nos dão a medida da subtileza da antiga sabedoria, por vezes obras-primas da evidência que se ignora por ser óbvia, há um que se fixou para sempre como um dogma: - Não há rosas sem espinhos!

             Este arqueológico rifão popular terá talvez a intenção de alertar para a malignidade, a impertinência dolorosa dos espinhos, que parecem existir apenas para diminuir, face aos humanos, a pomposa rosa, o seu apaixonado colorido e suave perfume. Na concepção vulgar, os espinhos são o imerecido castigo atribuído à magnificência da rosa. Daí deriva certamente o ditado popular: «Espinho que há-de picar vem logo de bico para cima».

            Tenho para mim que nesta tradicional “sentença” sobre as rosas e os espinhos, há um erro de base que consiste na avaliação superficial dos mérito e valor de uma (rosa) e de outro (espinho). Os ditados populares, muito debruçados sobre evidências, isto é, sobre as aparências, esquecem as mais das vezes o que está para lá do olhar vulgar, de superfície, demonstrando-se incapazes de ver o mundo com o profundo “olhar” da consciência, da memória histórica e da experiência.

 


            Primeiro que tudo convém recordar que o esplendor da rosa dura poucos dias., Os espinhos, pelo contrário, podem durar séculos. Constatação que o adagiário popular registou: «As rosas caem e os espinhos ficam». De acordo com o juízo vulgar, a resistência ao tempo costuma ser considerada uma prova de superioridade, excluindo, é claro, tudo o que se refere a matérias próprias da sociologia política. A rosa, como se sabe, uma vez murcha e morta, evaporados frescura e perfume, tomba da haste e torna-se mórbida e repugnante à vista. Diz o ditado, «Rosa caída não volta à haste». Abandono aqui, de propósito, a leitura metafórica destes ditados populares, que sempre se formam e desmancham à medida das conveniências dos escreventes…

            Depois das rosas se finarem, os espinhos conservam a sua rígida posição, têm mesmo qualquer coisa de nobre, elegante e puro na sua firmeza. No passado, úteis e práticos eram os espinhos das silvas para guarda dos campos cultivados, dos terrenos de plantação de vinha, defendendo assim os frutos amadurados.

            As rosas, coitadas, são usadas para fins mundanos, nem sempre puros e honestos. Pobres flores espaventosas, as rosas têm servido para disfarçar intenções e ludibriar os sentimentos.

 


 
            Os espinhos não se prestam a nada que não seja nobre e recto, não admitem coloridas máscaras, mostram o seu rosto a toda a gente, e se estão “destinados” a picar esta ou aquela mão, fazem-no sem disfarces!

            Não devemos esquecer que foram os espinhos (não as roas), sob a forma de coroa, que tiveram a honra de cingir a cabeça de Jesus Cristo!
 
            Os espinhos podem ser impertinentes, é verdade: - Mas a verdadeira vida é impertinente e espinhosa!   

 



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