sexta-feira, 6 de maio de 2011

"O Fauno, O Médico e a Internet" de MANUEL LUIS BÁBARA

O Fauno, O Médico e a Internet


conto mais ou menos verídico

por



Luís Bárbara



Luanda, Janeiro de 2006


O Fauno, o Médico e a Internet


Havia uma cervejaria na torre de menagem de um antigo castelo que encimava uma antiga cidade. A cervejaria era no rés-do-chão da torre que era rematada por ameias. Um pouco por baixo destas, um conjunto de gárgulas serviam de bicas ao terraço da torre. Quis a mão do homem que o conjunto de gárgulas assumisse a forma de Faunos.

Ora um destes Faunos estava vivo e no remanso da tarde, descia do seu poiso e, para espanto da freguesia, sentava-se a uma mesa bebericando a sua cerveja e comendo o seu tremoço.

Não dava palavra. Sentava-se, o criado servia-o, sem nunca ninguém saber explicar como é que tinham adivinhado a primeira cerveja o primeiro pires de tremoço e que isso agora também não vinha a calhar.

Repimpado no cadeirame, coçava pata com pata, e torcia a orelha pontiaguda enquanto olhava, como quem não via o que o rodeava.

Bebia então a fresquinha, grossa caneca que por menos não se tem um Fauno na esplanada.

Bebia, eructava, sonoro, solene e satisfeito arroto, sinal prazenteiro para que outra lhe fosse servida.

Bebia-a então com mais moderação, diria com mais voluptuosidade. Todos nós sabemos que os Faunos são voluptuosos, este não o era menos e mostrava isso enquanto bebericava a segunda. Os olhinhos, a modos que piscos, passavam então pelas madames, retendo-se mais numas que noutras, que àquela hora vinham ver tão extraordinário acontecimento.

Os pés chanfrados do Fauno, como os das cabras, pareciam que exteriorizavam o que ia na alma do ente.

As patas cruzavam uma sobre a outra, roçavam-se um pouco no interior das coxas, e Fauno bebia, enquanto tudo fazia para esconder o sexo que lhe costumava assomar entre as pernas. Aqui também mais se parecia com um caprino que com um humano.

Torcia então as orelhas pontiagudas, lembrando-se dos velhos tempos em que naquele local havia frondoso bosque, em que abundavam permissivas ninfas. E aí o marzápio caprino assoma mais um pouco, de cabeça altaneira empalitada que deixava confuso o mulherio, que espalhado pelas mesas tapava os olhos com as mãos, sem se esquecer de deixar frestas entre os dedos, por onde delicada e disfarçadamente olhava o meio peludo e muito barbado ser.

Como podia um Fauno, criatura que o homem nunca tinha encontrado no seu caminho, que os quadros retratavam como ficção e as enciclopédias e dicionários davam estranhas genealogias de maravilhoso feitas, estar numa esplanada?

Sim, como podia?

Alguns padres chegaram a espargir o dito com água benta que tiravam da sagrada caldeirinha com o não menos sagrado hissope. O ser então encabulava, não que a água, aquela ou outra, lhe fizesse diferença, mas o comportamento, senhores o comportamento!!?? Como podiam pessoas acisadas, homens bem formados, achar graça a pingarem-no todo com água? Como podiam? Bebia então mais rapidamente a segunda e, em passo rápido, subia às ameias da torre onde a cervejaria se instalara, escalando a parede com as suas pernas trepadoras, enquanto que as mãos, com unhas de respeito, se agarravam às mais pequenas saliências, pega mãos conhecidos de um caminho já muitas vezes percorrido e voltava a anichar-se no seu lugar.

Por uma vez, um cirurgião conhecido pelas suas proezas com o corpo humano tratou de arrazoar para o ente. O bem que lhe podia fazer! Tirar os dois catrapázios pernis, substituindo-os por duas pernas de homem de um qualquer morto. Qualquer não! Que um morto com a compleição apropriada lhe havia de fornecer. E, se a coisa corresse muito mal, sempre se poderia deslocar numa cadeira de rodas.

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