Com a devida vénia, publicamos CONTO DE NATAL que nos foi cedido pelo Dr. Palminha Silva, Amigo desta Associação.
O
evangelista Lucas
e
o estalajadeiro de Belém
(conto de Natal)
«E, quando eles ali se encontravam,
completaram-se os dias de ela dar à luz e
teve o seu filho primogénito, que envolveu em
panos e recostou numa manjedoura,
por não haver lugar para eles na hospedaria.»
- in Novo Testamento (Evangelho
segundo S. Lucas), 2-6,
edição Difusora Bíblica, 1999.
Esta história aconteceu cerca dos anos
80-90 da nossa era e, dizem os entendidos em história do cristianismo, que
Lucas, o evangelista, ainda assistiu ao cerco e destruição de Jerusalém
pelos romanos…
Entretanto, saiba-se que Lucas
percorreu parte da Palestina para recolher informações, detalhadas se possível,
sobre o nascimento, vida e morte de Jesus Cristo. Na ordem das suas prioridades
uma das primeiras etapas foi a cidade de Belém, escolhida com o objetivo de se
alojar na única estalagem que havia na cidade e que, segundo os seus cálculos,
era o mesmo mísero recolhimento do tempo de Jesus Cristo.
Por acaso (ou talvez não!), Lucas
teve sorte, pois a estalagem era a mesma e o antigo estalajadeiro que havia
atendido José e Maria era o mesmo. Estava muito velho, muito triste porque não
viva quase nada e sabia próxima a morte. Quando Lucas lhe contou a razão da sua
viagem, e o porquê de ter procurado a sai estalagem, o muito velho e doente
estalajadeiro fez questão em lhe declarar o seguinte:
«- Agora que o vosso profeta morreu e
ressuscitou; agora que, segundo me dizem, houve muitos milagres; agora que
todos falam dele e de sua Mãe e dos seus Apóstolos, é fácil condenar o gesto
daquele que teve de recusar hospitalidade ao pobre casal naquela distante noite
de um frio Dezembro. Meu caro viajante, eu não sou nem vidente prendado por
Deus nem vulgar adivinho. Pelo que não podia saber quem fosse aquele velho de
mãos calosas de artífice e aquela jovem mulher, que me pediam um quarto para
pernoitar e, ainda muito menos, que a jovem era a futura Mãe daquele a quem
chamais o Filho de Deus.
Mas
atente bem no que lhe digo, mesmo que tivesse adivinhado a identidade presente
e futura do casal, era impossível servi-los porque a minha casa, como já deve
ter visto, tem poucos compartimentos e naqueles dias tumultuosos, por causa do
recenseamento, estavam todos mais que repletos de gente vinda de todas as
partes da Judeia. Recordo-me bem: os hóspedes eram tantos que armei camas até
na cozinha, nas estrebarias e na cave. O aproveitamento de espaço foi de tal
ordem que os meus três filhos dormiam com a criadagem no sótão. Eu próprio
disponibilizei o meu quarto e dormi com minha mulher sobre os bancos frente à
lareira. Como alguns disseram, não repeli o casal por ser de aparência
miserável. A minha estalagem, como já deve ter reparado, não é procurada pelos
ricos, e eu nunca deixai ir nenhum futuro hóspede embora desde houvesse
lugares. A minha função é da um leito para dormir e lugar à mesa para comer um
pedaço de pão, mas quando a estalagem está cheio de nem um ovo, eu não posso
fazer de mim mesmo colchão e mesa.
E, já
que pretende saber tudo, digo-lhe que fui eu próprio a indicar ao infeliz casal
a gruta onde poderia pernoitar e onde nasceu aquele menino que deu tanto que
falar… Sabe, o ancião que acompanhava a jovem ficou muito reconhecido e não
parava de me agradecer… Mas as gentes não sabem ou não se recordam e, como
estão sempre a pensar o pior de cada um, passaram a dizer mal de mim. É assim
que vós, escrevinhadores de papiros, me fazeis passar por homem sem coração e
sem piedade, pelos séculos dos séculos. Na verdade, eu fui naquela hora um
estalajadeiro de pobre hospedaria que não tinha lugar nem para um gato. Mas
digo-lhe mais, aquela gruta só aparentemente solitária, pois na vizinhança
havia pastores e suas famílias, que alojava apenas dois inocentes animais, era
mais digna de acolher uma criança do que a minha estalagem, naqueles dias
atafulhada de gentalha bêbeda, ruidosa e ordinária.».
Foi assim que
Lucas, o evangelista, conheceu
parte da verdade dos factos. Porém, não escreveu isto no seu Evangelho,
talvez porque não tinha como confrontar com outra fonte o que lhe narrou o
estalajadeiro… É sabido que Lucas era muito escrupuloso…
Fim
8 de dezembro de 2014
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