segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

CONTO DE NATAL

Com a devida vénia, publicamos CONTO DE NATAL que nos foi cedido pelo Dr. Palminha Silva, Amigo desta Associação.
 
O evangelista Lucas

e o estalajadeiro de Belém
(conto de Natal)
 
«E, quando eles ali se encontravam,
completaram-se os dias de ela dar à luz e
teve o seu filho primogénito, que envolveu em
panos e recostou numa manjedoura,
por não haver lugar para eles na hospedaria.»
 
- in Novo Testamento (Evangelho segundo S. Lucas), 2-6, edição Difusora Bíblica, 1999.
 
 
Esta história aconteceu cerca dos anos 80-90 da nossa era e, dizem os entendidos em história do cristianismo, que Lucas, o evangelista, ainda assistiu ao cerco e destruição de Jerusalém pelos romanos…
 
            Entretanto, saiba-se que Lucas percorreu parte da Palestina para recolher informações, detalhadas se possível, sobre o nascimento, vida e morte de Jesus Cristo. Na ordem das suas prioridades uma das primeiras etapas foi a cidade de Belém, escolhida com o objetivo de se alojar na única estalagem que havia na cidade e que, segundo os seus cálculos, era o mesmo mísero recolhimento do tempo de Jesus Cristo.
 
            Por acaso (ou talvez não!), Lucas teve sorte, pois a estalagem era a mesma e o antigo estalajadeiro que havia atendido José e Maria era o mesmo. Estava muito velho, muito triste porque não viva quase nada e sabia próxima a morte. Quando Lucas lhe contou a razão da sua viagem, e o porquê de ter procurado a sai estalagem, o muito velho e doente estalajadeiro fez questão em lhe declarar o seguinte:
            «- Agora que o vosso profeta morreu e ressuscitou; agora que, segundo me dizem, houve muitos milagres; agora que todos falam dele e de sua Mãe e dos seus Apóstolos, é fácil condenar o gesto daquele que teve de recusar hospitalidade ao pobre casal naquela distante noite de um frio Dezembro. Meu caro viajante, eu não sou nem vidente prendado por Deus nem vulgar adivinho. Pelo que não podia saber quem fosse aquele velho de mãos calosas de artífice e aquela jovem mulher, que me pediam um quarto para pernoitar e, ainda muito menos, que a jovem era a futura Mãe daquele a quem chamais o Filho de Deus.
 
         Mas atente bem no que lhe digo, mesmo que tivesse adivinhado a identidade presente e futura do casal, era impossível servi-los porque a minha casa, como já deve ter visto, tem poucos compartimentos e naqueles dias tumultuosos, por causa do recenseamento, estavam todos mais que repletos de gente vinda de todas as partes da Judeia. Recordo-me bem: os hóspedes eram tantos que armei camas até na cozinha, nas estrebarias e na cave. O aproveitamento de espaço foi de tal ordem que os meus três filhos dormiam com a criadagem no sótão. Eu próprio disponibilizei o meu quarto e dormi com minha mulher sobre os bancos frente à lareira. Como alguns disseram, não repeli o casal por ser de aparência miserável. A minha estalagem, como já deve ter reparado, não é procurada pelos ricos, e eu nunca deixai ir nenhum futuro hóspede embora desde houvesse lugares. A minha função é da um leito para dormir e lugar à mesa para comer um pedaço de pão, mas quando a estalagem está cheio de nem um ovo, eu não posso fazer de mim mesmo colchão e mesa.
 
         E, já que pretende saber tudo, digo-lhe que fui eu próprio a indicar ao infeliz casal a gruta onde poderia pernoitar e onde nasceu aquele menino que deu tanto que falar… Sabe, o ancião que acompanhava a jovem ficou muito reconhecido e não parava de me agradecer… Mas as gentes não sabem ou não se recordam e, como estão sempre a pensar o pior de cada um, passaram a dizer mal de mim. É assim que vós, escrevinhadores de papiros, me fazeis passar por homem sem coração e sem piedade, pelos séculos dos séculos. Na verdade, eu fui naquela hora um estalajadeiro de pobre hospedaria que não tinha lugar nem para um gato. Mas digo-lhe mais, aquela gruta só aparentemente solitária, pois na vizinhança havia pastores e suas famílias, que alojava apenas dois inocentes animais, era mais digna de acolher uma criança do que a minha estalagem, naqueles dias atafulhada de gentalha bêbeda, ruidosa e ordinária.».
 
            Foi assim que Lucas, o evangelista, conheceu parte da verdade dos factos. Porém, não escreveu isto no seu Evangelho, talvez porque não tinha como confrontar com outra fonte o que lhe narrou o estalajadeiro… É sabido que Lucas era muito escrupuloso…
 
Fim
 
8 de dezembro de 2014

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